Acordou como sempre fez, todos os dias a mesma rotina religiosamente. Levantou, foi de pés descalços até o banheiro. Voltou pro quarto e trocou seu pijama pela roupa de corrida que sempre estava preparada, pegou o celular com o fone e o suporte para o braço, foi até a cozinha e comeu uma xícara de cereal, o de açúcar era o da vez. Tomou o resto de leite que sobrou e saiu pelo portão em direção a rua. Corria todos os dias, havia criado um hábito.
Chegou em casa suado, foi ao computador checar os emails até seu corpo dar uma esfriada, tomar banho ao chegar não resolvia, acabava transpirando. Entrou no banheiro, escovou o dente, verificou a barba no espelho e viu que precisava dar uma aparada. Ligou o chuveiro no box, esperou um pouco a água esquentar, passou o creme de barbear, desembaçou o espelho pendurado ali, manuseou a gilete suavemente, usava creme mentolado, sempre gostou da sensação de refrescância.
Parou na frente do armário, pegou o terno a direita, usava todos em seqüência, coisas do toc leve que possuía. Ajeitou o nó da gravata, calçou o sapato, fechou a porta de casa e entrou no carro. Ligou o carro e no mesmo momento o rádio se fez ouvir nos auto falantes, a música então começou.
Ouvia todo dia a mesma coisa, ária na corda sol, de Bach, era a sua tradição, seu momento de reflexão como se fosse seus 5 minutos de preparação. Essa música sempre o acalmou, costumava dizer que gostaria que tocassem em algum momento especial algum dia, algo que se tornaria marcante como se a música fizesse todo o sentido. Era sentado ali no banco do seu carro com o motor ligado que ele voava, longe com pensamentos distantes e as vezes disconexos.
Mas aquele dia foi diferente, foi único. Enquanto cada nota da música ecoava, flashes de memória foram tomando conta da sua mente, foi então que se lembrou do passado, do que era, do que havia se tornado. Se lembrou dos momentos alegres de infância, aonde não existiam preocupações e a vida era relativamente curta para ter se tornado traumatizante.
Lembrou-se do tempo onde existia um lar, onde recebia um beijo de boa noite pra dormir e não via a hora de acordar no dia seguinte pra fazer barcos de isopor e levar na fonte da praça perto da sua casa. Seu primo era seu melhor amigo, cuidava dele, o defendia, foram criados juntos e enquanto ele era o pequeno da sala seu primo era o grandão, o forte que todas as outras crianças respeitavam e tinham medo. Eram inseparáveis.
Parado ali sentado no banco, seus olhos se encheram de água, lembrou-se do passado, refletiu no presente e finalmente se deu conta de que seu primo não estava mais ali.
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