terça-feira, janeiro 29, 2013

Dores d’alma

Por Mariana Bertolucci

Dia desses fiquei pensando o que quis dizer uma amiga, quando numa troca de emails sugeri um encontro sem data marcada para colocar o papo em dia e matar as saudades. Ela me respondeu que estava sem alma para ver ninguém, no caso eu. Beleza, pensei. A minha alma também não anda lá das melhores para socializar, mas me instigou o que diabos faz uma pessoa no auge da existência ser/estar sem alma. Algo teoricamente precioso e intocável. Tão única e protegida de quaisquer crueldade do tempo ou fatalidade humana. Se tudo é possível nos ser tirado, como deixamos escapar de nós a própria alma?
Quem nem à morte é capaz de sucumbir. Toda  a hora. Muitas vezes durante o mesmo dia, semana ou sob a tortura quase silenciosa de meses ou anos à fio. Esse incômodo d’alma é tanto perigoso quanto melancólico porque está permanentemente em nós. Em irritantes menores e descontroladas maiores escalas do nosso e latente desespero. Perigoso porque acelera reações inesperadas e descompensadas. Melancólico porque amortiza atitudes esperadas demais e a vida vai passando toda bonita e colorida pela janela ou na tela do computador. Daí a nossa alma penada interna de cada dia nos dai hoje vaga sem rumo, sempre pronta para cruzar com o primeiro problema que dobrar a esquina e passar horas a fio perdendo tempo e energia com ele. A mesma alma também é beliscada com a inquietude do ciúme ou da inveja. Ambos doentios e sorrateiros. Uma saudade eterna ou momentânea de alguém também tem a força avassaladora de deixar a alma da gente pequeninha. Como se o sangue passasse a circular diferente em nossas veias, provocando as mais desprezíveis ações e sensações que todos vocês já sentiram um dia ou estão habituados a sentir sempre.
Não nos causa orgulho, não achamos bonito, costumamos inclusive não comentar muito, mas todos sentimos sim. Carminhas, talibãs e seres de alma miúda não são exclusividade da Rede Globo e nem vivem somente no outro lado do oceano. Há muito o que não esperar ainda da falta de alma humana. Mas o que mais aflige são nossos cotidianos  desajustes tão íntimos d’alma e o quanto eles perduram misteriosos dentro de nós. Quase tímidos, imperceptíveis, e aparentemente inofensivos. Sob controle por ali persistem loucamente sem explosão. Sem coragem de vir à tona e fuçar naquilo que só em pensamento já causa dor.
Na esperança de driblar toda essa alma armada e confusa que nos habita e nossos recorrentes lapsos de lucidez emocional falamos demais e choramos de menos. Numa busca difusa e sem endereço certo da escorregadia felicidade. Sorrimos, brindamos, dançamos, fumamos, compramos, comemos e corremos de um lado para outro, sem saber bem o porquê. E nos abraçamos. Porque as almas são quase todas iguais, amiga, e essa é a graça de estar por aqui enchendo as ruas de pernas.

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