Por Mariana Bertolucci
Dia desses fiquei pensando o que quis dizer uma amiga, quando numa
troca de emails sugeri um encontro sem data marcada para colocar o papo
em dia e matar as saudades. Ela me respondeu que estava sem alma para
ver ninguém, no caso eu. Beleza, pensei. A minha alma também não anda lá
das melhores para socializar, mas me instigou o que diabos faz uma
pessoa no auge da existência ser/estar sem alma. Algo teoricamente
precioso e intocável. Tão única e protegida de quaisquer crueldade do
tempo ou fatalidade humana. Se tudo é possível nos ser tirado, como
deixamos escapar de nós a própria alma?
Quem nem à morte é capaz de sucumbir. Toda a hora. Muitas vezes
durante o mesmo dia, semana ou sob a tortura quase silenciosa de meses
ou anos à fio. Esse incômodo d’alma é tanto perigoso quanto melancólico
porque está permanentemente em nós. Em irritantes menores e
descontroladas maiores escalas do nosso e latente desespero. Perigoso
porque acelera reações inesperadas e descompensadas. Melancólico porque
amortiza atitudes esperadas demais e a vida vai passando toda bonita e
colorida pela janela ou na tela do computador. Daí a nossa alma penada
interna de cada dia nos dai hoje vaga sem rumo, sempre pronta para
cruzar com o primeiro problema que dobrar a esquina e passar horas a fio
perdendo tempo e energia com ele. A mesma alma também é beliscada com a
inquietude do ciúme ou da inveja. Ambos doentios e sorrateiros. Uma
saudade eterna ou momentânea de alguém também tem a força avassaladora
de deixar a alma da gente pequeninha. Como se o sangue passasse a
circular diferente em nossas veias, provocando as mais desprezíveis
ações e sensações que todos vocês já sentiram um dia ou estão habituados
a sentir sempre.
Não nos causa orgulho, não achamos bonito, costumamos inclusive não
comentar muito, mas todos sentimos sim. Carminhas, talibãs e seres de
alma miúda não são exclusividade da Rede Globo e nem vivem somente no
outro lado do oceano. Há muito o que não esperar ainda da falta de alma
humana. Mas o que mais aflige são nossos cotidianos desajustes tão
íntimos d’alma e o quanto eles perduram misteriosos dentro de nós. Quase
tímidos, imperceptíveis, e aparentemente inofensivos. Sob controle por
ali persistem loucamente sem explosão. Sem coragem de vir à tona e fuçar
naquilo que só em pensamento já causa dor.
Na esperança de driblar toda essa alma armada e confusa que nos
habita e nossos recorrentes lapsos de lucidez emocional falamos demais e
choramos de menos. Numa busca difusa e sem endereço certo da
escorregadia felicidade. Sorrimos, brindamos, dançamos, fumamos,
compramos, comemos e corremos de um lado para outro, sem saber bem o
porquê. E nos abraçamos. Porque as almas são quase todas iguais, amiga, e
essa é a graça de estar por aqui enchendo as ruas de pernas.
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