domingo, março 25, 2012

A Faxineira

Eu acho um saco viver em sociedade. Ontem, por exemplo, tive vontade de sair de camisola pra comprar pão, mas tive que me vestir, ajeitar o cabelo, escovar os dentes e colocar um óculos gigante na cara pra ninguém ver que eu ainda estava louca de sono. De vez em quando a gente tem vontade de sair de qualquer jeito. Hoje o moço veio buscar minha cachorrinha pra tomar banho, ao invés de recebê-lo de pijama, coloquei um roupão por cima e prendi o cabelo, pois ele acordou daquele jeito meio rock & roll.
É, a gente tem que saber se portar. Não dá pra gritar no cinema, não dá pra comer de boca aberta, não dá pra sentar de perna aberta se você está usando saia, não dá pra perturbar os outros, não dá pra ser mal educado, não dá pra distribuir agressividade como se fosse flor. Existem regras básicas de boa convivência. Procuro respeitar todas elas. Vivo dizendo que o meu espaço acaba onde começa o do outro. Limite não existe à toa. E quando vejo algo que sai do eixo o sangue já vai subindo, pois não tenho muita paciência para falta de noção ou educação.
Sei que sou impaciente e crítica, além de mil outros defeitos que insistem em ficar colados no meu corpo e na minha cabeça. Mas sempre fui muito generosa, reconheço, com as pessoas que trabalham comigo. A moça que trabalhava aqui em casa ficou conosco quatro anos. Era fabulosa. Vinha uma vez por semana e limpava até o que eu não pedia. Arrumava as gavetas do banheiro, lavava roupa, lavava louça, tirava o pó, trocava lençóis e toalhas, limpava os vidros, passava pano no chão e ainda por cima era carinhosa com a minha cachorrinha. Uma pessoa muito especial. E sofrida. Como sofreu, coitada. O marido arrumou outra, ela mandou ele embora, entrou em depressão, quantas e quantas vezes ela chorou me contando as coisas que ele tinha feito. O filho queria morar com o pai. A filha falava mal do pai. E ela nessa encruzilhada. Ela segurou várias barras. E nós sempre conversamos muito, afinal, foram quatro anos de convivência. Ela já quebrou vários galhos pra mim e vice-versa. Quando ela separou, começou a sair. Eu dava vários produtos de beleza pra ela ter vontade de se arrumar mais. Mas nada dura pra sempre. Ela teve que ir embora. Conseguiu um emprego que pagava mais e assinava a carteira. E eu perdi a melhor faxineira que Porto Alegre já viu.
Não peço muito, não sou daquelas malucas que passa o dedo em cima da geladeira pra ver se tem pó. Falo com educação, não mando, eu peço de forma delicada, afinal, a pessoa está me prestando um serviço. Mas eu estou pagando por ele, por isso não aceito certas coisas. Pago em dia, nunca fiquei devendo. Mas só peço o mínimo do mínimo. E mesmo assim é complicado.
Pedi uma indicação para minha ex-faxineira e ela indicou a prima. Quarta retrasada ela veio. Bati o olho e pensei não-vai-dar-certo. Tudo bem, sou implicante, mas tenho esse lance de sentir a energia da pessoa e as coisas não bateram muito bem. No primeiro dia, ela me avisou que fumava um cigarro depois do almoço. No primeiro dia, expliquei exatamente pra ela como eu gostava das coisas aqui em casa. Paguei a mais pra ela lavar roupa e louça. E disse: isso faz assim, aquilo faz assado, qualquer coisa me pergunta. Achei que estava tudo certo. Agora eu trabalho em casa, então preciso me concentrar. A moça entrava toda hora perguntando alguma coisa. Mas eu relevei, afinal, era o primeiro dia. Pacientemente, expliquei tudinho de novo. O nome da minha cachorra é Juno e ela insistia em chamar de Juli. Mais: gritava pela casa muito alto (sem exagero) "Juliiiiiiiiiiiiiii, Juliiiiiiiiiiiiii", com uma voz estridente que me dava nos nervos. E entrava sem a menor cerimônia onde eu estava trabalhando pra conversar, me contar sobre a cachorra dela e etc. Achei um pouco espaçosa, mas pensei que fosse só impressão ou alguma implicância, afinal, ela não era a outra, a melhor que Porto Alegre já viu. Então tá, até quarta que vem.
Quarta passada ela veio. E continuou a tagarelar. E limpou tudo sem colocar no lugar. Limpava e jogava tudo de qualquer jeito, sem arrumar direito. Colocou o lençol do avesso, não tirou o pó de algumas coisas, não limpou os vidros (da primeira vez também não tinha limpado), não jogou o lixo fora e ainda por cima eu sentia um cheiro forte a cigarro na sala. E o "Juliiiiiiiiii, Juliiiiiiiii" continuava. Mesmo assim, continuei pensando que eu estava implicando. Então, ela me chamou e disse que tinha terminado e tava indo. Falei então tá, até a semana que vem. E ela completou: tem roupa lavando na máquina, depois você estende. Oi? Eu estou pagando a mais para a pessoa lavar e estender a roupa. Mas deixei assim.
Ontem a moça veio. Abri a porta meio apressada, pois estava terminando um freela. Ela chegou e gritou (ela não fala, grita): aiiiiii, hoje tô gripada e ainda por cima ontem comi uma coisa meio estragada. Juliiiiiiiii, Juliiiiiiiiiii, oi, viu, ela quer colo. E eu aham. Fui trabalhar. Ela veio atrás de mim olha aqui a foto da minha piscina, olha aqui a foto da minha cachorra. E eu disse que legal. Pedi pra ela limpar a geladeira. Ela limpou e veio me chamar pra mostrar como tinha ficado. Agradeci e disse que tinha que trabalhar. Então, levei um susto: o celular dela, no volume máximo do máximo do máximo tocou alucinadamente uma música horrível. E tocou mais, sem brincadeira, umas onze vezes ao longo do dia. Respirei fundo, muito fundo. Tomei banho e fiquei procurando minhas havaianas douradas. Procurei no quarto e no armário, sem sucesso. Fui na sala e encontrei ela com meio corpo pra dentro e meio corpo pra fora da minha sacada. Fumando (lembra que ela fumava só um cigarro após o almoço? ela fuma uns 7 por dia). Disse assim: fulana, viu as minhas hav...(olhei para os pés dela)? Ela estava com o meu chinelo. O meu chinelo. Pegou sem me pedir. Fiquei com cara de paisagem balançada pelo vento. E ela disse bem natural: esqueci o meu e peguei o teu. Falei: te empresto outro. E emprestei. Pra mim aquilo bastou. Eu empresto as minhas coisas na boa. Mas me pede. Detesto que peguem as coisas sem me pedir. É abuso e falta de respeito. Folgada demais.
Ontem relatei essas coisas no Facebook. Quero uma faxineira que goste de cachorro. Que limpe e coloque as coisas no lugar. Que não grite. Que não tenha um celular que toque o dia todo com músicas estranhas. Que isso e aquilo. Muita gente comentou. Foi engraçado. Uns diziam que eu nunca ia achar. Uma menina disse: só tem Pepsi, pode ser? Outra disse que tem uma moça maravilhosa trabalhando na casa dela, mas mora longe, senão me emprestava. Até que lá pelas tantas uma menina ficou "estarrecida" com o meu jeito e disse que não conhecia esse meu "lado". Que lado? Falou como se eu fosse uma víbora. Perguntei o que eu tinha dito de tão horrível. E ela disse que falei "como se as faxineiras fossem um nada". Que nada. Nunca disse e nunca direi isso. Primeiro, porque não desmereço ninguém. Segundo, porque eu acho todo o trabalho digno. Mas acho que em todo o trabalho a gente deve ter postura, educação e respeito. E, principalmente, entender o que significa a palavra limite.

Por Clarissa Corrêa

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