sexta-feira, fevereiro 10, 2012

Por favor, me surpreenda!


Por que as mulheres abominam a rotina?

Por IVAN MARTINS

Tenho uma confissão a fazer: não gosto de surpresas. Sei que muita gente acha isso essencial ao convívio, mas não é meu caso. Toda vez que alguém anuncia que tem uma surpresa, eu sofro. Deve ser trauma, pode ser culpa, mas talvez seja bom senso.

Lembro de uma amiga, psicóloga, que me contou sobre um paciente dela. O sujeito vivia se queixando de que o sexo com a mulher dele era chato e previsível. Pois um dia, depois de muito reclamar, ele chegou em casa e a mulher, normalmente passiva, o esperava na cozinha de sandália alta e trajes menores, e se atirou sobre ele. O cara levou um susto enorme, seus membros inferiores encolheram, (como ocorre com os homens assustados) e ele retornou à analista, no dia seguinte, dizendo que queria a mulher dele de volta – aquela tímida e previsível, como ele gostava.

Podem rir, mas essas coisas acontecem o tempo todo.

Um amigo me contou sobre a namorada que um dia foi apanhá-lo no trabalho com uma peruca loira, tipo Marilyn Monroe. Ele demorou a reconhecê-la e, mesmo depois de perceber quem era, entrou no carro incomodado, sentindo-se desconfortável. “Não era a minha garota”, ele me disse. Claro que não era. Ela estava fantasiada para realizar uma fantasia, mas tinha se esquecido de combinar com ele. O cara detestou, ela ficou desapontada com a falta de imaginação e receptividade dele, e o namoro começou a fazer água bem ali. Bela surpresa.

A favor do meu ponto de vista, nem vou invocar aquela máxima cínica (e certeira) que recomenda não chegar de viagem sem avisar a parceira (ou parceiro). O gesto romântico de surpreender a namorada um dia antes do previsto já causou muita separação – sem falar em violência e crime.

Com o risco de ser sexista, acho que talvez exista uma diferença na forma como homens e mulheres vêem essas coisas. Tenho a impressão de que na mente das mulheres as palavras surpresa e erotismo andam enlaçadas. O homem perfeito, a melhor transa, o romance inesquecível – tudo isso parece estar associado ao inesperado. Enquanto os homens abraçam os hábitos com a felicidade de quem veste uma calça velha, as mulheres se inquietam com a repetição. Parecem precisar do estímulo da novidade, ainda que seja uma mera encenação – como a moça de peruca no carro do amigo. Por alguma razão que a vasta maioria dos homens desconhece, mulheres exigem a ruptura da rotina para terem paz. Olham para a sua cara na tarde de sábado como quem pergunta: “e aí, não vai fazer nada heróico, espetacular ou incrivelmente sedutor para mostrar que me ama”? A Emma Bovary que há em cada uma delas exige novidades.

Isso tudo, evidentemente, no terreno afetivo. Quando se trata do dia-a-dia, a tendência das mulheres é ficar brava se você atrasa, não telefona, não faz, não paga, não vai. A imprevisibilidade (alguém já disse?) é a virtude dos amantes. Dos maridos e namorados espera-se o cumprimento atencioso da lei e a manutenção pacífica da ordem – no horário de serviço. Depois, seria de se esperar que o esforçado provedor virasse um Don Juan intrépido, capaz de escalar a sacada com um maço de flores e disposição infatigável (e ademais, poética) para os embates do amor.

Estou exagerando, claro. Conheço dezenas de casais que se acomodaram à rotina como quem se deita numa rede depois do almoço, de forma absolutamente confortável. Mas a verdade é que eu não sei (quem sabe?) o que se passa na cabeça das mulheres desses casais. Estariam felizes? A literatura histórica e moderna sugere que não. Ao menos não inteiramente. O romantismo delas parece não caber numa relação 3x4, preto e branco, sala cozinha e banheiro, barba e cabelo, cama e mesa.

Quando eu era criança, ouvia minha mãe cantar na cozinha uma música que dizia exatamente isso: “Lembro-te agora/ Que não é só casa e comida/ Que prende por toda vida/ O coração de uma mulher”. Descobri, anos depois, que se tratava de um samba de Ataulfo Alves que ficou famoso na voz da Dalva de Oliveira. O nome é “Errei, sim”. Lindo. Foi composto em 1950, mas ainda faz sentido. Quem não conhece pode escutar aqui, com a Paula Toller, num vídeo simpático de celular.

Por isso tudo, os homens capazes de surpreender levam vantagem na relação com as mulheres, mas eles são poucos. Passado o entusiasmo inicial, quando o cérebro funciona 100% do tempo no modo sedução, quase todos se deixam largar no sofá e se acomodam. É preciso ser um apaixonado aplicado para continuar pensando no que faria a sua mulher feliz – e dar-se ao trabalho de surpreendê-la. Encher o iPod com as músicas favoritas dela antes de entregá-lo de presente, por exemplo. Ou marcar uma viagem na data do aniversário de namoro sem avisá-la. Essas atenções parecem fazer toda a diferença. Não são grandes surpresas, eu sei, e talvez seja melhor assim – as pessoas sonham com grandes emoções e enormes arrebatamento, mas talvez precisem apenas de afeto, claro e simples.

Um comentário:

Helena Rodrigues disse...

Conheço diversas histórias hilárias de mulheres que tentaram surpreender seus parceiros e o tiro acabou saindo pela culatra. Mas, certamente, o grande problema é quando surpresas são decepcionantes ou não correspondem às expectativas...

Beijos.