quarta-feira, março 16, 2011

Sozinhas sim encalhadas não.


Há pouco menos de 10 anos, as mulheres sozinhas ganharam destaque. Na vida, na mídia, nos círculos sociais em geral, ser solteira é moderno, está na moda.

A tendência, confirmada nos dados demográficos, criou uma legião de ‘novas solteiras’ que, por equívoco ou má intenção, é qualificada como solitária. Mas alô, mundo: solteirice não é sinônimo de solidão.

Um estudo exatamente sobre esse assunto foi feito por Eliane Gonçalves, doutora em ciências sociais e professora na Universidade Federal de Goiás. O trabalho, apresentando por ela em 2007 na Unicamp, explora como são construídas as noções de "mulheres sós" no Brasil contemporâneo a partir de três contextos distintos: estudos de população, mídia e histórias de 12 mulheres, sem filhos, que moram sozinhas na cidade de Goiânia, entre 29 e 53 anos. Com isso tudo na mão, Eliane chegou à conclusão de que a mídia - assim como fez a literatura - traduz a ideia de estar solteira como solidão. E passa isso adiante como verdade.

"A mulher ‘encalhada’ é uma ficção como a ‘solteirona’ perpetuada pela literatura desde o século 18. Sempre houve mulheres que não se casaram nem foram mães", afirma a pesquisadora. Segundo ela, cada sociedade, em seu tempo, produziu metáforas e símbolos que a encarnaram: a santa, a virgem pura, a histérica, a vadia, a libertária, a emancipada, a encalhada, a mal amada, a resignada, a religiosa fervorosa, a vingativa, a má, a amarga, a bondosa, a caridosa - às vezes contraditoriamente combinadas. "Raramente essas mulheres solteiras foram retratadas de modo respeitoso que pudesse revelar qualquer riqueza de suas biografias", pontua Eliane, que é também colaboradora da organização feminista Grupo Transas do Corpo.

Hoje, segundo ela, para essas mulheres, o local onde agora vivem sozinhas recria a ideia de intimidade, tradicionalmente associadas apenas ao casal ou a uma família. "A casa é sinônimo de refúgio, de reabastecimento e de nutrição. A solidão é desejada para equilibrar a intensidade e agitação do mundo externo. Este novo tipo de intimidade ("eu comigo mesma") possui um significado que contesta o valor negativo da solidão como isolamento e fracasso pela ausência do par".

As novas solteiras, ao morarem sozinhas, experimentam relações às vezes mais estáveis e duradouras com namorados ou parceiros (de qualquer sexo) com quem não vivem juntos, do que teriam num casamento tradicional. "Fora das convenções e cargas do matrimônio e da maternidade, elas se sentem livres para realizarem outras atividades criativas e profissionais, além de dedicarem tempo à construção de relacionamentos gratificantes com amigos e familiares", afirma.


É lógico que não existem fórmulas fechadas para desenhar a felicidade das mulheres (bem resolvidas ou não) que vivem sozinhas. Mas para que a carreira solo não se transforme mesmo em solidão, é preciso apostar na autonomia e valorizar as próprias escolhas. "Sugiro que essas mulheres invistam nas amizades duradouras, nas relações prazerosas e gratificantes", diz Eliane. E mais: "que recusem os rótulos e as máximas que afirmam a superioridade do casamento tradicional e, ao mesmo tempo, escondem suas inumeráveis contradições".

Por Sabrina Passos (MBPress)

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