terça-feira, julho 08, 2008

Mulheres - Por Rita Lee

Eu tinha 13 anos, em Fortaleza, quando ouvi gritos de pavor. Vinha da >vizinhança, da casa de Bete, mocinha linda, que usava tranças. Levei apenas >uma hora para saber o motivo. Bete fora acusada de não ser mais virgem e os >irmãos a subjugavam em cima de sua estreita cama de solteira, para que o >médico da família lhe enfiasse a mão enluvada entre as pernas e decretasse >se tinha ou não o selo da honra. Como o lacre continuava lá, os pais >respiraram, mas a Bete nunca mais foi à janela, nunca mais dançou nos >bailes e acabou fugindo para o Piauí, ninguém sabe como, nem com quem.>> Eu tinha apenas 14 anos, quando Maria Lúcia tentou escapar,> saltando o muro alto do quintal da sua casa para se encontrar com o >namorado.> Agarrada pelos cabelos e dominada, não conseguiu passar no exame >ginecológico. O laudo médico registrou vestígios himenais dilacerados, e os >pais internaram a pecadora no reformatório Bom Pastor, para se esquecer do >mundo.> Realmente esqueceu, morrendo tuberculosa.>> Estes episódios marcaram para sempre e a minha consciência e me fizeram >perguntar que poder é esse que a família e os homens têm sobre o corpo das >mulheres. Ontem, para mutilar, amordaçar, silenciar. Hoje, para manipular, >moldar, escravizar aos estereótipos.> Todos vimos, na televisão, modelos torturados por seguidas> cirurgias plásticas. Transformaram seus seios em alegorias para entrar >na moda da peitaria robusta das norte americanas. Entupiram as nádegas de >silicone para se tornarem rebolativas e sensuais, garantindo bom sucesso >nas passarelas do samba.> Substituíram os narizes, desviaram costas, mudaram o traçado do >dorsopara se adaptarem à moda do momento e ficarem irresistíveis diante dos >homens.> E, com isso, Barbies de fancaria, provocaram em muitas outras> mulheres; as baixinhas, as gordas, as de óculos; um entimento de perda >de auto-estima.> Isso exatamente no momento em que a maioria de estudantes> universitários (56%) é composta de moças. Em que mulheres se afirmam na >magistratura, na pesquisa científica, na política, no jornalismo.> E, no momento em que as pioneiras do feminismo passam a defender a >teoria de que é preciso feminilizar o mundo e torna-lo mais distante da >barbárie mercantilista e mais próximo do humanismo.> Por mim, acho que só as mulheres podem desarmar a sociedade. Até porque >elas são desarmadas pela própria natureza. Nascem sem pênis, sem o poder >fálico da penetração e do estupro, tão bem representado por pistolas, >revólveres, flechas, espadas e punhais.> Ninguém diz, de uma mulher, que ela é de espadas. Ninguém lhe dá, na >primeira infância, um fuzil de plástico, como fazem os meninos, para >fortalecer sua virilidade e violência.> As mulheres detestam o sangue, até mesmo porque têm que derrama-lo na >menstruação ou no parto. Odeiam as guerras, os exércitos regulares ou as >gangues urbanas, porque lhes tiram os filhos de sua convivência e os >colocam na marginalidade, na insegurança e na violência.> É preciso voltar os olhos para a população feminina como a grande >articuladora da paz. E para começar, queremos pregar o respeito ao corpo da >mulher.> Respeito às suas pernas que têm varizes porque carregam latas d'água e >trouxas de roupa.> Respeito aos seus seios que perderam a firmeza porque amamentaram seus >filhos ao longo dos anos. Respeito ao seu dorso que engrossou, porque elas >carregam o país nas costas.> São as mulheres que irão impor um adeus às armas, quando forem ouvidas e >valorizadas e puderem fazer prevalecer à ternura de suas mentes e a doçura >de seus corações.>> Nem toda feiticeira é corcunda.> Nem toda brasileira é só bunda .>> Rita Lee

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